Perto das catedrais em construção se encontravam as oficinas
ou lojas, nas quais se traçavam e desenhavam os planos, se repartiam as
obrigações, se falava dos detalhes da obra, e se celebravam os ritos e
cerimônias de iniciação. Estas oficinas eram autênticos centros de ensino
tradicional onde, além das técnicas do ofício, se transmitiam os conhecimentos
cosmogônicos. Realmente, nas oficinas maçônicas se conjugavam a arte e a
ciência, a prática e a teoria, seguindo assim o famoso adágio escolástico
segundo o qual a "ciência sem arte não é nada". Cada Loja ou oficina estava sob
a autoridade de um mestre arquiteto, que tinha a suas ordens os oficiais
companheiros (divididos em subgraus e funções), que por seu lado vigiavam e
dirigiam os trabalhos dos aprendizes. Esta estrutura ternária e hierarquizada de
aprendiz, companheiro e mestre se encontra com os mesmos ou diferentes nomes
unanimemente repartida em todas as organizações iniciáticas e esotéricas, pois
tal hierarquia expressa um modelo do processo iniciático íntegro, que reproduz
exatamente o desenvolvimento cosmogônico das "trevas à luz", do "caos à ordem".
Um dos poucos testemunhos que se conservaram dos desenhos realizados pelos
maçons operativos é o álbum do arquiteto francês Villard de Honnecourt, ao qual
pertence também o traçado de um labirinto, cuja forma é idêntica à de todos os
labirintos iniciáticos: uma série de dobras concêntricas que conduzem, depois de
um longo trajeto que começa na periferia, ao centro do próprio labirinto, ou
ponto de contato com o eixo vertical por onde se produz a comunicação com os
estados superiores e a "saída" definitiva do cosmos, ou seja dos limites
determinados pelo tempo -e seu porvir cíclico- e o espaço.
Junto aos maçons operativos encontramos os sábios alquimistas
e astrólogos, perfeitos conhecedores das ciências da natureza aplicadas como
símbolos vivos do processo iniciático e regenerador. Eles dotaram a catedral de
numerosos símbolos baseados nas correspondências e analogias entre o macro e o
microcosmos, o céu e a terra, a divindade e o homem, considerando-se os
legítimos herdeiros da ciência sagrada de Hermes Trismegisto. A "pedra bruta"
que os maçons poliam e talhavam para a construção, representava, como já
dissemos, o mesmo que a "matéria caótica" dos alquimistas: uma imagem da
substância plástica indiferenciada na qual estão contidas, em estado não
desenvolvido e potencial, todas as possibilidades de manifestação de um mundo ou
de um ser. A pedra estava viva, não era simples matéria inerte, e ao mesmo
tempo, sua dureza e estabilidade simbolizavam a imutabilidade e firmeza do
Espírito. Em tudo isso, um detalhe não deve passar desapercebido: os alquimistas
tinham a Santiago, o Mayor, como santo padroeiro, que junto com São João
Evangelista (padroeiro dos maçons ) e São Pedro (fundador da Igreja), assistiu
aos mistérios da Transfiguração de Cristo no Monte Tabor. A partir de então, um
"laço" fundamentado em um "Segredo" devia unir, acima das diferenças formais, a
todos aqueles que estavam sob a proteção desses santos cristãos, uma mostra do
que foram as fraternais relações que se viviam durante as edificações das
igrejas-catedrais. Essa fraternidade entre alquimistas e maçons deveria perdurar
ainda até o século XVIII. A liberdade de movimento de que gozavam os maçons
francos, facilitaria os intercâmbios de conhecimentos com outros grêmios de
artesãos, dentre os quais se destaca a chamada Companherismo, que
agrupava diversos ofícios (entre eles os entalhadores de pedra e escultores), e
que, da mesma forma que os maçons, tinham seus graus e segredos de iniciação.
Dessa forma, esses intercâmbios se deram com as diversas ordens monásticas e
cavalheirescas. Não há que se fazer, portanto, um excessivo esforço de
imaginação para formar-se uma idéia do clima espiritual que se respirava naquela
fecunda e luminosa época. Poder-se-ia dizer, sem temor de exagerar, que ali o
saber não tinha fronteiras. E mais: a cordial convivência existente entre as
organizações iniciáticas e esotéricas, e aquelas de caráter religioso e
exotérico, testemunhava o vigor e a saúde da tradição. Os cavaleiros templários,
esses monges guerreiros que eram também construtores e cujas regras foram
inspiradas por São Bernardo, mantinham sob sua proteção numerosas lojas
maçônicas. E isso não deve passar inadvertido, pois quando esta organização do
esoterismo cristão desapareceu como tal em circunstâncias sangrentas (devido a
um acordo do sinistro rei francês Felipe, o Formoso com o Papa Clemente V),
essas mesmas lojas, sobretudo as da Inglaterra e Escócia, acolheram em seu seio
muitos dos templários sobreviventes, que traziam consigo certos conhecimentos
iniciáticos de sua Ordem que acabariam por integrar-se definitivamente na
estrutura simbólica e ritual da Maçonaria . Digamos que dentre essas lojas
merece destaque a Grande Loja Real de Edimburgo, fundada pelo rei Robert Bruce,
que se opôs à extinção da Ordem do Templo combatendo ao lado dos templários. É
significativo que o ano de constituição da Ordem Real da Escócia seja o de 1314
(ano em que se extinguiu a Ordem dos Templários), e que esta teve como Loja Mãe
a Ordem Heredom de Kilwinning, cujos alguns dos rituais eram de inspiração
templária. E esta palavra, heredom, significa "herança", que é a mesma
recebida pelos templários. Não existem documentos escritos que atestem a
realidade dessa herança simbólica, ainda que seja evidente que ela aconteceu.
Por tratar-se de transferências sagradas estas têm lugar primeiramente no plano
estritamente espiritual e metafísico, concretizando-se no âmbito humano por
mediação de individualidades (pouco importa, neste caso, que sejam conhecidas ou
anônimas) que as realizam de maneira efetiva. Um fio sutil e luminoso une o
mundo superior ao inferior, e o inferior ao superior, e a manutenção dessa
comunicação é uma das principais funções que sempre tiveram as organizações
tradicionais e iniciáticas. Recordemos, neste sentido, que a palavra "tradição"
procede do latim tradere, que significa "transmitir" (e por, extensão,
herança), e transmissão de uma verdade, voltamos a repetir, que remonta às
próprias origens da humanidade, e que todas as civilizações consideraram como a
fonte de seu saber e cultura. Essencialmente, os templários transmitiram à
Maçonaria a idéia da edificação do templo espiritual "que não é feito por mãos
de homem" segundo a mensagem evangélica. Tal idéia ficou materializada com a
criação de certos altos graus, complementares ao mestrado, de procedência
templária. Um dos mais notáveis, por sua riqueza simbólica , é o grau de Royal
Arch do Rito Inglês de Emulação. A Ordem do Temple (ou do Templo), em seu núcleo
mais interno era de essência johannica (do mesma forma que a Maçonaria), pois se
inspirava nos mistérios contidos no Evangelho e no Apocalipse de São João. Dessa
forma, os "Cavaleiros de Cristo" tinham como uma de suas principais missões a
proteção do Santo Sepulcro e a manutenção das relações com a "Terra Santa", ou
seja, com o "Centro Supremo" ou "Centro do Mundo". Com o desaparecimento do
Templo, a Maçonaria tradicional (e aquí enfatizamos o "tradicional"), do mesmo
modo que a Ordem hermética da Rosa-Cruz, continuaria mantendo para o Ocidente os
vínculos com essa "Terra Santa", também chamada em outras culturas de "Terra dos
Imortais" ou "Terra dos Bem-aventurados". Durante o Renascimento encontramos a
mesma ausência de documentos escritos sobre as relações que o hermetismo cristão
e alquímico manteve com a Maçonaria. Graças à recuperação da filosofia
platônica, impulsionada na Itália por Marsilio Ficino e Pico da Mirándola, se
assiste, nessa época, a um novo ressurgimento da tradição e do saber hermético,
onde há que se incluir a Magia Natural e a Cabala cristã. Livros como De
Harmonia Mundi de Francesco Giorgi, a Cabala Denudata de J. Reuchlin,
a Mônada Hieroglífica de John Dee, e a Filosofia Oculta de Cornélio Agripa,
entre tantos outros, exerceram uma grande influência nos círculos herméticos de
toda a Europa. Em tudo isso há algo importante a assinalar: devido a
fraternidade que se criou no período Medieval entre os agrupamentos herméticos e
os grêmios de construtores, era perfeitamente normal que em uma época como o
Renascimento - onde o suporte de uma civilização tradicional estava já bastante
debilitado - esses vínculos se fortaleceram com o fim de salvaguardar os valores
da tradição e da doutrina.
Tradução: Sérgio K.
Jerez
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